Antes das eleições, neste mesmo espaço, destacamos o aumento dos candidatos
militares que buscavam se eleger nas eleições municipais. Agora, retomaremos o tema
com uma reflexão acerca do resultado eleitoral.
Através do escopo da defesa da melhora da segurança pública, uma das três
principais preocupações da população, as eleições de 2020 teve o maior número de
candidatos militares dos últimos 16 anos. Se comparada à eleição de 2016 houve um
aumento de 12,5% em relação aos postulantes aos cargos eletivos, nada mais do que
6.755 mil candidatos aos cargos de prefeito, vice-prefeito e vereador no Brasil. O
número não é ocasional e reflete a ambição dos policiais militares, civis, bombeiros
militares, integrantes das Forças Armadas e militares reformados em integrarem os
quadros políticos brasileiros.
O desejo é legítimo e reflete o incremento dos militares em funções civis.
Segundo levantamento do Tribunal de Contas da União, o governo federal conta com
6.157 militares, um aumento de 108,22% em relação a 2016. Somente no Ministério da
Saúde, cujo ministro é igualmente de origem militar, temos 1.249. Além disso, em
levantamento feito pelo Poder 360, atualmente 8.450 militares da reserva trabalham em
comandos, ministérios e tribunais militares.
De tal sorte que se o governo tem integrado cada dia mais militares em cargos
civis, por que um militar não pode aspirar fazer parte do cenário político brasileiro?
Refletimos.
É legítimo um militar considerar que pode ser um político e que é capaz de fazer
o bem para a população, porém, algumas considerações devem ser levadas em conta:
necessidade de dinheiro para investir na campanha, popularidade nas redes sociais,
engajamento com a população, disponibilidade para reuniões com líderes comunitários,
apresentação de propostas, projetos efetivos envolvendo melhorias para a cidade seja
como vereador, vice-prefeito ou prefeito. Além disso, há a necessidade de equipe,
logística, material de campanha, dentre outros quesitos. Portanto, o complexo
estratagema de uma candidatura envolve muito mais elementos do que apenas e tão
somente a vontade de se tornar político. Por fim, mesmo que todo esse conjugado seja
favorável e que todos os requisitos estejam presentes, não há garantia alguma de
eleição, porque ainda falta a parte principal: o voto.
O sonho de ingresso na política contém um derradeiro obstáculo: o eleitor.
Afinal, a notada maioria dos candidatos é desconhecida do grande público, o que faz
uma diferença considerável nas urnas. Não raro, pessoas que são bem sucedidas em seu
microcosmo de atuação e tem elevado reconhecimento popular por seus pares
consideram ter estofo político considerável para se eleger. O resultado, com raríssimas
exceções, costuma ser o fracasso nas urnas. Ter dinheiro, equipe, apoio do partido,
material e logística não lhe confere votação automática, o eleitor tem de ser conquistado
e essa tarefa são bem poucos os que logram sucesso.
O povo vota por empatia, por defesa de propostas e, principalmente, se acredita
que aquele candidato realmente poderá atender aos seus interesses cotidianos.
Identificar e mapear as carências da sua região é o primeiro passo eleitoral. Todavia,
para os militares o discurso mais óbvio é prometer à população que defenderá seus
interesses, protegerá suas crianças, tornará as ruas mais seguras e que fará o que estiver
ao seu alcance para incrementar a segurança pública, em especial por ser esta a sua
expertise, o que, tampouco, confere garantia alguma de êxito. O problema é que são
muitos os que farão exatamente o mesmo percurso, logo, como se destacar?
Nessa esteira, a missão se complica ainda mais quando há a concorrência dos
candidatos à reeleição para os mesmos cargos, pois, nesse quesito, os eleitores já
conhecem ou deveriam conhecer, não apenas as propostas, como os resultados dos
quatro anos em que o candidato à reeleição exerceu seu mandato. Exatamente por isso,
mais da metade dos vereadores, em geral, consegue se reeleger. No Rio de Janeiro, por
exemplo, local que convive com profundos problemas relacionados à segurança pública,
dos 51 vereadores eleitos, dois terços se reelegeram, isto é, apenas uma em cada três
cadeiras houve renovação.
Com isso, apesar do número recorde de candidaturas, a resposta das urnas foi a
redução do número de militares eleitos no país em 2020. O número de eleitos entre
vereadores e prefeitos, caiu de 693 para 623, uma redução de cerca de 10%. Somente
para os membros das câmaras municipais a queda foi de 660 para 587. Existem
múltiplos fatores para explicar essa redução e muitos deles já mencionamos. Além
disso, também houve um arrefecimento da política de extrema direita, o que a mídia
denominou de “bancada da bala”. Nestas eleições, não apenas a popularidade eleitoral
do presidente Jair Bolsonaro não é mais a mesma do que há dois anos, como, também, o
próprio eleitorado mostra migração da extrema direita para o centro.
Isso significa que a bandeira da segurança pública deixará de ser usada como
mote eleitoral? Seguramente não, pois, os grandes temas como educação, saúde e
segurança sempre despertam o interesse da população. Resta saber qual será a forma
que essa parcela de postulantes eleitorais utilizará em seu discurso para se aproximar do
eleitor e se manterá competitiva nas urnas em 2022 ou se a tendência é a queda dos
números de militares eleitos se acentuar.
A questão central é a necessidade de engajamento. Os problemas brasileiros são
conhecidos, as desigualdades são as mesmas, as inquietudes acerca da segurança ou
falta dela existem há anos, então, não adianta um candidato aparecer milagrosamente
em várias regiões e pleitear os votos da população sendo que não há qualquer vínculo
ou relação com aquela parcela de eleitores. Por isso, há o estigma de tantos candidatos
que são conhecidos como os que só aparecem em época de eleição.
O eleitorado não mais está interessado em eleger qualquer pessoa e sim em
buscar representantes que, realmente, se interessem por defender e melhorar as
condições regionais daqueles que necessitam. E ainda fica o alerta: como se diz no
popular: “surfar na onda do presidente” pode ser um grande erro, portanto, se você
futuro candidato, seja militar ou não, quiser deixar o plano teórico da eleição para
realmente ter chances de ingresso no quadro político, trilhe seu próprio caminho com
retidão, propostas e ações concretas. O caminho é se engajar e produzir desde já, os
frutos serão consequências do seu próprio empenho. Que a população reconheça seus
esforços.
Antonio Baptista Gonçalves é Advogado, Pós-Doutor, Doutor e Mestre pela
PUC/SP e Presidente da Comissão de Criminologia e Vitimologia da OAB/SP –
subseção de Butantã.
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