Com o advento da globalização e a livre circulação de pessoas, serviços e mercadorias se potencializou o poder de compra das pessoas e o acesso se democratizou assim como a velocidade, afinal, com o advento da internet o ato de consumir se realiza com o poder de um clique.
Através do acesso ilimitado e o aumento global de poder de compra, as pessoas têm consumido em profusão no ambiente online e, muitas vezes, não verificam a procedência digital dos provedores, dos sites e, muito menos dos vendedores. Qual a relevância disso? Não foi apenas o mercado que se democratizou e popularizou, o crime também acompanha esse movimento, se especializando, refinando suas modalidades e expandindo seus horizontes pela internacionalização dos seus feitos. Hoje, o crime é organizado e transnacional.
As polícias, os meios de investigação e o ordenamento penal também tiveram e têm de se adaptar a uma realidade em constante atualização, uma vez que são inúmeras as possibilidades danosas disponíveis no ambiente virtual como dark web, lavagem de dinheiro, tráfico de entorpecentes, pessoas, órgãos, crianças, biopirataria.
Hoje é possível transmutar e camuflar endereços IP, pagar por atividades criminosas com criptomoedas e uma ação ocorre em um país e o fruto do crime, não raro, é recebido em outro. Portanto, os métodos investigativos tradicionais tiveram de ser complementados e inovados.
O controle teve de ser mais amplo e contar com a contribuição dos países em ações internacionais, agora que se é possível cometer crimes na velocidade de um clique, em um ambiente sem fronteiras.
Os instrumentos de investigação se modernizaram, as tecnologias avançaram e permearam e se tornaram essenciais para rastrear o produto do crime e o caminho do dinheiro ao longo dos possíveis países envolvidos.
Neste contexto surge a necessária cooperação jurídica internacional, com a flexibilização de soberania entre os países para a trocas de tecnologia, cooperação investigativa, capacitação de agentes com cursos especializados, além de uma atuação conjunta das polícias a fim de reprimir o crime organizado transnacional.
O Código de Processo Civil estabelece nos artigos 26 e 27 a previsão da cooperação jurídica internacional e prevê a colheita de provas, obtenção de informações, concessão de medida judicial de urgência, espontaneidade de transmissão de informações a autoridades estrangeiras, além da assistência jurídica internacional.
Diferentemente dos acordos de cooperação internacional que afetam distintas áreas de interesses dos Estados no âmbito internacional, como educação, saúde, agricultura, o instituto da Cooperação Jurídica Internacional tem por finalidade específica de solicitação a outro país para alguma medida judicial, investigativa ou administrativa necessária para um caso concreto em andamento. Alguns exemplos: cooperação para fins de confisco, incluindo a recuperação de ativos, subtração internacional de menores, adoção internacional, assistência jurídica mútua, transferência de pessoas condenadas – extradição –, transferência de processos penais, cooperação em matéria civil e penal, dentre outras.
A cooperação jurídica internacional é uma realidade e já faz parte do cotidiano das operações policiais brasileiras. O Governo Federal pode e deve investir em mais acordos se tiver por objetivo o enfrentamento da corrupção e do crime transnacional. Segundo o Ministério da Justiça e da Segurança Pública, somente nos seis primeiros meses deste ano foram 356 pedidos de cooperação jurídica internacional, sendo que apenas com Portugal foram 103, o que representa 28,93% do total. Ora, mas qual a diferença da cooperação jurídica para a cooperação internacional?
A cooperação internacional pode envolver variados temas como educação, saúde, agricultura ou demais assuntos que sejam de interesse entre os países envolvidos, como o Brasil fez ao sediar a ECO-92, por exemplo. Já a jurídica Já a jurídica tem por finalidade específica de solicitação a outro país para alguma medida judicial, investigativa ou administrativa necessária para um caso concreto em andamento. Alguns exemplos: cooperação para fins de confisco, incluindo a recuperação de ativos, subtração internacional de menores, adoção internacional, assistência jurídica mútua, transferência de pessoas condenadas – extradição – , transferência de processos penais, cooperação em matéria civil e penal, dentre outras.
Recentemente, a polícia federal deflagrou a Operação Desvelado em cooperação com a Interpol em Lyon na França contra a pedofilia na web e ao estupro de vulneráveis, tendo como alvo um brasileiro que seria responsável por criar e administrar um dos maiores fóruns de pornografia infantil na Deepweb. O resultado foi a prisão do suspeito.
Com desenvolvimento da deep e da dark web, as possibilidades de crimes cibernéticos se exponenciou, e sem a cooperação entre a comunidade internacional, o enfrentamento e repressão às atividades criminosas se reduziram.
O Brasil tem se utilizado ativamente desse instituto no âmbito internacional, e precisa, igualmente, trabalhar para que este modelo de cooperação seja mais efetivo no cenário interno. Com isso, falamos das dificuldades do Estado brasileiro em operar o modelo de cooperação dentro do seu território nacional que, por ser continental, carece de um processo de unificação e cooperação técnica entre os entes da federação.
O Governo Federal, responsável por este enfrentamento, lida com a falta de tecnologia e modernização para instituir um banco de dados nacional unificado que poderia auxiliar sobremaneira as investigações policiais ao longo dos Estados. Atualmente não há sequer a integração de sistemas para a alimentação de dados que auxiliem e agilizem as investigações em curso.
Apesar de parecer não estar entre as prioridades do Governo Federal na demanda da segurança pública, investir em tecnologia e modernização dos sistemas, das estruturas e recursos materiais e imateriais, com o aprimoramento e treinamento das polícias, não só atenderia os entes federados e o Estado nação, como também beneficiaria o trabalho nas investigações para a apuração dos delitos do crime organizado transnacional.
Os acordos jurídicos de cooperação são importantes e essências, todavia, sozinhos não alcançam seu real objetivo e devem ser complementados com uma modernização tecnológica interna.
O Crime organizado transnacional é globalizado e faz uso do que há de mais moderno em termos de tecnologia e sofisticação para o cometimento de ilícitos, com isso, o Brasil deve buscar a excelência nos recursos para se opor com o rigor necessário às mazelas destas práticas, e para socorrer, concomitantemente, a segurança pública doméstica há tanto tão carente de atenção, a população brasileira agradece.
Antonio Baptista Gonçalves é Advogado, Pós-Doutor, Doutor e Mestre pela PUC/SP e Presidente da Comissão de Criminologia e Vitimologia da OAB/SP – subseção de Butantã.
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