2020 é o ano que constará nos livros de história pela disseminação de uma
pandemia mundial com consequências sanitárias, sociais e econômicas para os países
envolvidos. O COVID-19 desvelou as deficiências dos países inapelavelmente. No
Brasil a pandemia mostrou a desigualdade econômica e social de um país que deveria
proteger as comunidades, mas faz o contrário, já que os trabalhadores são a base do
setor de serviços, e o medo do vírus é menor do que o da fome, assim, continuam indo
trabalhar e se arriscar e a seus entes queridos, pela necessidade.
O Brasil é um país com desigualdades econômicas acentuadas, pois, 28% da
renda total do país está concentrada em 1% da população, o que o coloca apenas abaixo
do Catar como maior concentração de renda entre os países. Com o COVID-19, os
trabalhadores, especialmente os autônomos, viram sua renda diminuir, contratos serem
suspensos ou terminados. Para muitos, a pandemia representou não apenas a perda da
fonte de renda como a realidade de não conseguir se realocar por conta do isolamento
social forçado. O receio de contrair o vírus fez com que as pessoas esperassem, porém,
com o passar o tempo e a escassez de recursos, os problemas se avolumam.
Segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios – Pnad do
IBGE, o terceiro trimestre do ano apresentou a maior taxa de desemprego no país já
registrada, com 14,6% da população, o que equivale a 14,1 milhões de pessoas
desempregadas. E para os jovens a situação é ainda pior: 44,2% para pessoas
desempregadas de 14 a 17 anos e 31,4% para jovens entre 18 a 24 anos.
Com o aumento do desemprego é natural que as famílias tenham de selecionar
quais contas podem pagar e quais precisarão atrasar. Segundo pesquisa do Instituto
Locomotiva, 64% dos brasileiros de classe média estão com alguma conta em atraso. E
53% da classe média teve de deixar de pagar ou cortar: manutenção do plano de saúde,
empregada doméstica ou babá ou o pagamento de mensalidade de escola particular.
Especificamente sobre a educação, a consequência natural é o afastamento das
crianças das escolas particulares e dos filhos das universidades privadas. Com isso, a
única possibilidade é a migração para a rede pública de ensino e a dúvida é: Houve
capacidade da rede pública de ensino em absorver com ensino de qualidade os alunos da
rede privada por conta da pandemia do COVID-19? A resposta é negativa.
O Governo do Estado de São Paulo divulgou que após as eleições municipais
haverá restrições ao lazer, o que representa uma nítida preocupação com a segunda onda
da pandemia do COVID-19 e o temor de novo isolamento social forçado. Assim, com
os alunos da rede privada em evasão, uma vez mais indaga-se: haverá estrutura da rede
pública de ensino para enfrentar uma segunda onda de isolamento e de aulas em modo
não presencial? Refletimos.
Segundo o último censo divulgado pelo IBGE 8,7 milhões de estudantes que
frequentavam escola em 2020 não tiveram acesso às aulas remotas em julho. Os dados
revelam que o sistema educacional, especialmente o público, não estava preparado para
a adaptação do ensino remoto. E certamente não se trata de mero despreparo técnico,
falamos de um país continental e desigual em amplo espectro. Segundo dados do IBGE
de 2018, apenas 41,7% dos domicílios dispunham de microcomputador, e apenas 30,0%
dispunham de dispositivos como tablet. O acesso à internet também segue longe de
abranger a totalidade da população. A mesma pesquisa revela que 79,1% dos domicílios
possuem acesso à internet, no entanto, a maior parte dos acessos (99,2%) se faz por
meio de celular.
A falta de acesso à internet é de fato apenas um ingrediente a mais ao caos.
Soma-se a isso a deficiência de instalações adequadas na residência do estudante, a
insegurança alimentar, a ausência de preparo dos pais, insuficiência de mentoria,
condições familiares etc.
Manter o aluno na escola, em tempos pré COVID-19, já era uma dificuldade
social relevante, hoje, com as incertezas, as adversidades que acometem a vida dos
estudantes, o contexto familiar e o impacto econômico causados pela pandemia, o
desafio atinge patamares mais elevados e complexos.
Os dados do último PISA (Programa Internacional de Avaliação de Alunos), que
avalia a qualidade educacional dos 79 países participantes, mostram o Brasil está entre
58º e 60º lugar em leitura, entre 66º e 68º em ciências e entre 72º e 74º em matemática.
Aos que compreendem a educação como elemento chave para o
desenvolvimento socioeconômico de uma nação, o prognóstico é muito ruim. O impacto
das omissões e da falta de investimento em educação para os próximos anos são
incalculáveis, e certamente negativos. Some a isso a migração dos alunos da rede
privada para a pública em virtude da crise econômica que acomete os lares brasileiros, é
de se esperar uma ampliação da demanda das escolas públicas, há muito desassistidas.
Há a necessidade da intervenção do governo federal em parceria com os
governos estaduais e municipais. Se a segunda onde se confirmar, o que parece ser
apenas uma questão de tempo, o risco de aulas online ao longo do próximo semestre é
real, a renda das famílias pode diminuir ainda mais e sem a ação do Estado Democrático
de Direito o ensino das crianças poderá ser severamente prejudicado.
Os índices de desemprego entre os jovens já mostram que a formação de ensino
não os capacita de maneira apropriada para as demandas do mercado de trabalho, então,
com esse volume novo de alunos chegando o abismo no futuro poderá ser ainda mais
acentuado. Que se proteja o futuro das próximas gerações com investimentos,
infraestrutura, acesso, internet e sinal de rede. A população brasileira agradece.
Antonio Baptista Gonçalves é Advogado, Pós-Doutor, Doutor e Mestre pela
PUC/SP e Presidente da Comissão de Criminologia e Vitimologia da OAB/SP –
subseção de Butantã.
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