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Dr. Antonio Baptista Gonçalves

Legítima defesa da honra X feminicídio

A pandemia decorrente do Covid-19 trouxe consequências sanitárias, econômicas, sociais, laborais, dentre outras. Com as pessoas em isolamento, houve uma readequação necessária à rotina diária das famílias brasileiras que cumpriram a quarentena. Por conta da suspensão das aulas presenciais os filhos, agora, estariam 24h em casa, os pais, da mesma maneira, sejam por conta da adoção do trabalho remoto – home office – ou da suspensão e até interrupção dos contratos de trabalho. Com isso, a convivência se tornou uma constante e com ela suas dificuldades.

Com o aumento dessa presença, os crimes dentro dos lares se intensificaram e destacamos, especialmente, a violência com a mulher e o feminicídio. Os números são alarmantes, de acordo com o Anuário de Segurança Pública de 2020: a cada 2 minutos uma mulher é agredida fisicamente, a cada 8 minutos uma pessoa é estuprada com 85,7% do sexo feminino e 57,9% das vítimas tinham até 13 anos.

No primeiro semestre de 2020, o feminicídio teve um aumento de 1,9% em relação ao mesmo período do ano anterior. Todavia, houve uma redução de 9,9% dos registros feitos em delegacias, o que demonstra a subnotificação em virtude do isolamento social. Já a chamada à Polícia Militar via 190 aumentou 3,8%. Nos meses mais críticos da pandemia em 2020, entre março e abril, os feminicídios em São Paulo aumentaram 41,4%.

O Brasil ainda é um país com traços machistas em sua sociedade, sua história e construção legislativa atesta e comprava. Por décadas, feminicidas foram absolvidos sob a alegação de privação de juízo perfeito por estarem sob influência de violenta emoção ao terem surpreendido a esposa/companheira/namorada em flagrante adultério.

Por conseguinte, o Judiciário, não raro produziu decisões machistas e inocentou ou minorou condenações de feminicidas sob a alegação de defesa da honra, tese usada especialmente no Tribunal do Júri a fim de convencer o conselho de sentença de que não havia intenção de matar, mas sim, que fora tomado por forte e violenta emoção em decorrência de ter sua honra maculada.

A sociedade tem evoluído e reconhecido os direitos das mulheres e cabe ao Judiciário admitirseus próprios preconceitos e se modernizar para acompanhar as conquistas sociais do país. Teses machistas como a legítima defesa da honra não podem prosperar em uma sociedade que se pretende justa, que defende o direito à vida, e a igualdade tanto de direitos quanto de obrigações.O feminicídio é crime e seus autores devem ser responsabilizados e condenados.

Antonio Baptista Gonçalves é advogado, doutor e mestre em Filosofia do Direito pela PUC/SP, MBA em Relações Internacionais da Fundação Getúlio Vargas; Pós-Graduado em Direito Penal Econômico e em Direito Tributário pela FGV.

https://www.dgabc.com.br/Noticia/3733902/legitima-defesa-da-honra-x-feminicidio

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