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  • Dr. Antonio Baptista Gonçalves

Ano de 2020 e os problemas pandêmicos terão reflexos na segurança

2020 seguramente é um ano atípico por conta da pandemia do COVID-19. As consequências foram sentidas no âmbito social, econômico, sanitário, educacional, dentre outros. De início, foram adotadas medidas para promover o isolamento social com as pessoas colocadas em trabalho remoto, quando possível, e várias ações dos governos estaduais e municipais a fim de minorar a circulação das pessoas para mitigar o potencial de contágio do vírus. Ademais, se inseriu na realidade cotidiana o uso reiterado de álcool gel e máscara de proteção facial.

Em concomitância, o Judiciário foi acionado reiteradas vezes para que fosse solicitada a soltura de presos em grupos de risco e vários tiveram seu pedido atendido com sua pena convertida em prisão domiciliar. Fora isso, foram impedidas visitas de familiares aos presídios e as saídas temporárias foram suspensas. Se esperava que com menor circulação os crimes também tivessem redução de ocorrência, porém, o que se viu foi o aumento da violência doméstica, do feminicídio, dos crimes eletrônicos e, posteriormente dos homicídios.

Ademais, o isolamento de outrora não é mais o mesmo, transcorridos nove meses das primeiras medidas, dadas as necessidades econômicas da população em buscar renda, o que se vê é uma maior circulação de pessoas. E, ainda que haja preocupação por parte dos governos estaduais, claro está que na visão deles também houve uma relativização das restrições sanitárias envolvendo os presos.

Agora, com as festas de final de ano, ainda que limitadas pelo aumento das infecções, o que a mídia denominou de segunda onda, os governos estaduais concedem o que popularmente se consagrou de “saidinha de Natal”, isto é, a liberação temporária de presos para passarem as festividades natalícias com seus familiares. Somente em São Paulo mais de trinta mil tiveram o benefício concedido. Então, indaga-se: há risco sanitário ou possibilidade de maior violência por conta da medida? Refletimos.

Antes da pandemia os números relacionados à violência no Brasil não eram animadores: segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública houve um aumento de 7% no número de mortes violentas neste ano, após uma queda nos registros em 2018 e 2019, o que significou uma pessoa morta a cada dez minutos, mesmo sob a pandemia. O Brasil registrou, no 1º semestre de 2020, 25.712 mortes violentas.

Ainda não se tem uma noção exata se a pandemia contribuirá negativamente para o incremento desses dados. Todavia, mesmo com as medidas restritivas decorrentes do COVID-19 e uma menor circulação de pessoas, a violência aumentou seja no âmbito doméstico ou não. Uma das possibilidades se atribui justamente à menor presença de pessoas nas ruas, o que tornam os ambientes mais propícios para crimes. Assaltos, furtos e roubos também se tornaram relatos frequentes na pandemia.

A pandemia produziu danos econômicos relevantes até o presente momento: aumento no desemprego em virtude das demissões, que alcançaram incremento de 35% se comparadas ao mesmo período de 2019, fora que ainda podem aumentar se a suspensão de contratos de trabalho se reverterem em desligamentos. O corte de custos foi a maneira encontrada para muitos empresários sobreviverem. Com isso, a desigualdade brasileira que já era alta se acentuou ainda mais, assim como as carências da população brasileira.

De tal sorte que perda da capacidade econômica, necessidade de sustento, filhos que outrora se alimentavam na rede pública de ensino, agora com o fechamento das escolas e as aulas em modalidade à distância, dependem essencialmente do poder aquisitivo dos pais para comer. Fatores que acirram os ânimos, produzem discórdia e desentendimentos, inclusive por conta da maior presença das pessoas no convívio cotidiano. Isso explica o aumento da violência no cenário doméstico, e, também dos crimes eletrônicos em decorrência do maior acesso remoto das pessoas. Fora isso, no cenário externo, por conta da menor circulação, também enseja o aumento de crimes contra o patrimônio e da violência, dentre elas o homicídio.

Fora o já mencionado, os conflitos entre as organizações criminosas não cessou com a pandemia e as rotas do tráfico também foram afetadas com os impedimentos de circulação, o que obrigou o crime organizado a produzir novos caminhos a fim de manter o escoamento e a circulação de sua produção. E a suspensão das intervenções policiais contribuiu negativamente para as ações das facções criminosas, inclusive da letalidade do confronto entre as mesmas.

Por fim, outra questão de destaque é a redução dos investimentos em segurança, pois, o mesmo anuário da segurança pública, aponta diminuição de 3,8% dos gastos efetivos do governo federal em relação às despesas de 2018, o que se traduz em menos R$11,3 bilhões de reais para proteger a população e se investir em políticas de segurança pública.

Diante de tal cenário regressemos às saídas temporárias: no Estado de São Paulo, desde março de 2020 em decorrência da pandemia do COVID-19, havia uma proibição da liberação de presos. Agora, mesmo diante do aumento das infecções, se autorizou através do Departamento Estadual de Execuções Criminais do Estado São Paulo, pela portaria 3 de 11 de novembro de 2020, em caráter excepcional, que a saída temporária de Natal aconteça do dia 22 de dezembro de 2020, com início às 6 horas, e, encerre-se dia 5 de janeiro de 2021, às 18 horas, horário em que o preso deverá estar na unidade prisional.

Com a circulação de pessoas em alta, com o vírus se proliferando é momento de colocar presos em saída temporária? Há risco sanitário? Há a possibilidade de que esses presos contribuem negativamente para o aumento dos índices de violência?

Risco sanitário haverá, afinal, serão mais de trinta mil pessoas que estarão em circulação. Ainda que haja restrições, especialmente no período noturno, como acesso à bares ou boates, contudo, não haverá uma fiscalização efetiva do comportamento do preso, muito em virtude da escassez das tornozeleiras eletrônicas. Possibilidade de novos crimes sempre existem, ainda mais diante das necessidades econômicas já mencionadas, além do temor em relação ao potencial danoso em termos sanitários.

Então, estamos diante do seguinte cenário: aumento da violência, a população em crise econômica, as desigualdades sociais se acentuando, risco sanitário aumentado e o governo federal sem investir em prevenção, investigação a fim de controlar os eventuais aumentos de crimes. Uma combinação que não parece positiva para a estatística de 2021 no que tange à violência, o que pode ensejar a vinda de um maior endurecimento na segurança pública com adoção de novas medidas.

2020 e seus problemas pandêmicos terão reflexos na segurança. Logo, no período de festas redobre sua atenção, não se coloque em risco desnecessário a fim de que não sofra nenhuma consequência do aumento da violência no Brasil. Fora isso, proteja seus familiares de eventual contágio do COVID-19 e denuncie às autoridades caso presencie violência doméstica, feminicídio, além dos crimes eletrônicos e da violência que se generaliza no Brasil pandêmico. São tempos difíceis, com medidas excepcionais, que sua segurança seja a maior prioridade de agora, a família brasileira agradece.

Antonio Baptista Gonçalves é Advogado, Pós-Doutor, Doutor e Mestre pela PUC/SP e Presidente da Comissão de Criminologia e Vitimologia da OAB/SP – subseção de Butantã.

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