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  • Dr. Antonio Baptista Gonçalves

AÇÕES DO ESTADO E A LETALIDADE CONTRA NEGROS

De acordo com informações do Atlas da Violência 2020, elaborado a partir de uma parceria entre o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) e o Instituto de Econômica Aplicada (Ipea), o número de negros assassinados cresceu 11,5% em 10 anos no Brasil. A mesma pesquisa revela a diminuição de mortes violentas de brancos, amarelos e indígenas em 12,9% no mesmo período. A discrepância dos resultados para negros e brancos retrata a crua desigualdade racial, e traz à luz questões como desigualdade social e o racismo institucional. Refletimos.

O racismo está no centro do debate por conta dos recentes e emblemáticos casos de violência policial contra negros nos Estados Unidos da América, em que a sociedade responde através de movimentos e protestos antirracistas como black lives matter, e tem contado com o engajamento de grandes personalidades, incluindo atletas da NBA e da NFL, alcançando assim significante projeção internacional.

No Brasil, a realidade de violência contra negros é cotidiana e as feridas não conseguem fechar, pois, diuturnamente um novo caso de desrespeito, agressão e violência contra negros ocorre. Todavia, algo parece mudar, haja visto que o maior site de pesquisas no Brasil revelou que nunca se pesquisou tanto sobre racismo como em 2020.

O Google Trends indica que o Brasil tem buscado assuntos sobre a injustiça racial com uma intensidade sem precedentes. Os termos “privilégio” e “antirracista” atingiram o maior interesse de buscas de todos os tempos em junho deste ano, “o que é racismo” teve a maior alta dos últimos 5 anos, “o que é racismo estrutural” também alcançou o maior nível. Outros como “vidas negras importam”, tradução de “black lives matter” e “violência policial no Brasil” são os termos mais procurados pelo brasileiro na internet. Será o caminho para uma tomada de consciência? Será que a população compreendeu que o racismo, de fato, ocorre no país? Que a letalidade policial não é aleatória? Que existe racismo estrutural?

A fim de contribuir com a pesquisa corriqueira e simplista dos brasileiros complementemos: Os negros correspondem, segundo dados do IBGE, a 56,10% da população brasileira, e representando em algumas cidades a maioria. Não obstante, também chama a atenção alguns dados preocupantes: os negros representam também mais de 60% da população carcerária, 75,2% da parcela da população com os menores ganhos, 44,5% da população em moradias sem saneamento. Será coincidência ou um retrato da desigualdade social?

Segundo um dos autores de pesquisa realizada pelo Ipea, a desigualdade social é responsável por 20% dos casos de mortes violentas de negros no Brasil, portanto, não há coincidência. Já o Fórum Brasileiro de Segurança Pública aponta que a letalidade policial em São Paulo cresceu 31% no período entre janeiro e abril, mês que bateu recorde de mortes pela polícia (119, contra 78 em 2019) durante a vigência da quarentena.

No início de junho, o Instituto Locomotiva realizou uma pesquisa para a Central Única das Favelas (CUFA) em que 94% dos 1.652 entrevistados reconhecem que, no Brasil, uma pessoa negra tem mais chances de ser abordada de forma violenta ou ser morta pela polícia do que uma pessoa branca. De acordo com o Anuário da Violência elaborado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 75% das vítimas de letalidade policial são negras.

O Brasil foi condenado em 2017 pela Corte Interamericana de Direitos Humanos por não ter garantido a realização da justiça e não ter coibido a violência policial na comunidade Nova Brasília, no Rio de Janeiro. E o que mudou? O Supremo Tribunal Federal teve de intervir e suspender as operações policiais nas comunidades cariocas, após o menor João Pedro ter sido vítima de 72 balas que atingiram sua casa na comunidade do Salgueiro. Ao invés de refletir, o Brasil divulga estatísticas que a violência nas comunidades diminuiu durante a pandemia, quando, em verdade, são as operações que estão suspensas e não a violência que cessou, isto é, de qual violência falamos? A produzida ou sofrida pela população?

Ao que tudo indica, o brasileiro, agora, parece se interessar em entender o racismo. Será um modismo, um seguir de tendência ou uma tomada efetiva de consciência? O tempo dirá, todavia, se instruir sobre o tema não garante que o mesmo deixará de ocorrer. É preciso que sejam feitas ações concretas para modificar o racismo estrutural e institucional, a começar por uma reforma na política de segurança pública. O Brasil não pode ser condenado por letalidade policial e em nada alterar seus procedimentos. A responsabilização da violência e da letalidade ainda está muito aquém do necessário. O Governo Federal tem desestruturado seus cursos de aperfeiçoamento e modernização policial, na contramão do que se espera.

No Rio de Janeiro a situação claudica devido a corrupção que assola aquele Estado, com problemas de credibilidade das polícias, presença de milicianos, os últimos quatro governadores presos e o atual afastado do cargo, além de uma profunda crise endêmica. Enquanto isso, a população padece ante as mazelas sociais, seja do COVID-19, do abandono e descaso estatal ou da violência de suas forças de segurança.

Que esta onda positiva de conscientização resulte em uma pressão da opinião pública e dos meios de comunicação para que o Governo Federal trabalhe em promoção de políticas públicas e que os Estados reveja seus procedimentos de segurança pública, combatendo o racismo institucional e a letalidade de suas polícias, para que a violência siga sendo combatida e reduzida, e que os negros não continuem a morrer em maior proporção do que os brancos. Se a violência não tem cor a letalidade do Estado igualmente também não deve ter, que se enfrente a violência sem ter como alvo preferencial uma cor. Pelo fim do racismo estrutural e institucional, a população agradece.


Antonio Baptista Gonçalves é Advogado, Pós-Doutor, Doutor e Mestre pela PUC/SP e Presidente da Comissão de Criminologia e Vitimologia da OAB/SP – subseção de Butantã.


Bruna Melão Delmondes, é advogada, especialista em Direito Civil e Processual Civil pela Universidade Estadual de Londrina.


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