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Dr. Antonio Baptista Gonçalves

CENSO OAB/SP E A ADVOCACIA LGBTQIA+

No dia 28 de junho se comemora o dia internacional do orgulho LGBTQIA+ e,

neste período de pandemia decorrente do COVID-19, algumas considerações são

pertinentes. É inegável que a realidade, em termos de preconceito e aceitação, para os

gays, lésbicas, bissexuais, transgêneros, queers, intersexy e outros afins teve alterações

positivas nos últimos anos.

A nomenclatura se modificou, pois, até o começo dos anos 2000, era comum a

denominação GLS em referência aos gays, lésbicas e simpatizantes. Hoje, no mínimo, é

preconceituosa tal classificação. E, apesar de alguns direitos terem sido conquistados,

ainda há muito trabalho e espaço para melhoria e reconhecimentos.

A sociedade mudou e se modernizou, todavia, o machismo ainda está presente e

as mulheres cis (heterossexuais), por exemplo, padecem e enfrentam preconceitos e

resistências para sua valorização pessoal e profissional em pleno século XXI. Já para as

LGBTQIA+ a batalha ainda é pelo reconhecimento, acesso e ocupação de espaço em

ambientes onde outrora não havia. Há não muito tempo se declarar gay em determinado

cargo havia o enfrentamento de tabus, discriminação que, não raro, representariam uma

demissão.

Hoje a aceitação é maior, ainda que o machismo persista. Algumas profissões

mais tradicionais como a advocacia e a medicina, por exemplo, já convivem

cotidianamente com a liberdade de identidade de gênero, apresentação, vestuário e

comunicação da população LGBTQIA+. No entanto problemas cercam os advogados,

advogadas, estagiários e estagiárias, como o acesso ao uso do nome social na carteira da

ordem dos advogados, as dificuldades em unificar a documentação quando se conquista

na justiça o direito ao nome social, preconceito em relação ao vestuário, ao uso de

alguns adornos e acessórios, comportamento, jeitos e trejeitos, inclusive de fala etc.

Nessa caminhada em direção ao maior reconhecimento de direitos temos

algumas questões a serem enfrentadas, como por exemplo, saber quantos inscritos nos

quadros da advocacia são LGBTQIA+, hoje o número é absolutamente desconhecido.

Pensando nisso, a OAB secional de São Paulo lançou o primeiro Censo em 14 de

dezembro de 2020, a fim de identificar quais as carências da advocacia bandeirante e

como melhorar a prestação de serviços.


No entanto, quando se tratou da advocacia LGBTQIA+ houve uma única e

singela pergunta dentre as dez formuladas no questionário, na qual sete são obrigatórias

e três de resposta facultativa. A pergunta 8 é: qual a sua orientação sexual? Sendo que a

resposta não é obrigatória.

Ora, será que a demanda da advocacia, em especial, para a LGBTQIA+ é

unicamente saber se uma pessoa é homossexual, heterossexual ou outro como menciona

o Censo? A advocacia ainda tem resíduos machistas presentes no cotidiano profissional.

Não há uma estatística sobre quantos escritórios tem advogados LGBTQIA+,

departamentos com demandas específicas ou coligadas. Ademais, a OAB/SP sabe quais

as necessidades e reivindicações para a advocacia LGBTQIA+? Como pode interceder

para minorar o preconceito e a discriminação? Silêncio.

Quais as consequências da pandemia para a advocacia? Se há algum reflexo

específico para a advocacia LGBTQIA+? É sabido que a violência contra a mulher cis

aumentou neste período de isolamento social, mas e para a LGBTQIA+? Qual o

aumento da violência? Houve incremento do assédio moral ou sexual? E para a

advocacia LGBTQIA+ invisível que é sistematicamente negligenciada no Judiciário?

Os machismos em ambientes como a delegacia que ainda discriminam os causídicos

LGBTQIA+, seja por descaso, ignorância ou falta de respeito mesmo, como a OAB/SP

atua para defender seus membros? Silêncio.

Mesmo mediante a presença do Decreto Municipal n°. 58.228/18 para o respeito

a identidade de gênero pelos agentes públicos que devem colocar o nome social nas

fichas de cadastro, formulários, prontuários, petições, documentos de tramitação e

requerimentos de qualquer natureza, independente de alteração do nome, o que vale é a

sua identificação, porém, é sabido e conhecido que muitos ignoram o Decreto e como a

OAB/SP atua? Da mesma feita, por conta de decisão do TJ de São Paulo, em março de

2021, a polícia foi obrigada a incluir a identidade de gênero e o nome social nos

Boletins de Ocorrência, no mês seguinte o Presidente da OAB/SP foi nomeado como

novo membro do Conselho Consultivo da Ouvidoria da Polícia do Estado de São Paulo.

Houve alguma manifestação sobre eventual descumprimento da regra? Para todas essas

indagações somente o silêncio.

O presidente da maior secional da advocacia do país parece ter perdido a voz

ante a necessidade das demandas cotidianas dos causídicos LGBTQIA+ que se

encontram cada dia mais carentes de representatividade e de uma voz para auxiliar na

constante luta para a paridade de armas ante ao Judiciário e aos ambientes públicos.


Quais os meios que a OAB/SP tem empregado para garantir e efetivar a paridade

de condições de trabalho para uma advogada trans, por exemplo, para que ela não sofra

preconceito, nas suas atividades laborais, deboches e olhares jocosos das autoridades,

apenas e tão somente por não ter a orientação sexual da maioria machista? Será que o

estereótipo é mais importante ou relevante do que a qualificação e a capacitação do

profissional do direito?

A luta por igualdade de oportunidades e condições laborais perpassa pela

necessária voz do presidente da instituição em garantir que todos os seus membros

tenham o acolhimento, a isonomia de tratamento, os mesmos mecanismos e acessos à

justiça independentemente da cor, sexo ou identidade de gênero, porém o que se vê é

um líder que não lidera e se mostra cada vez mais afônico.

A OAB/SP, através do Censo, criou um mecanismo precioso para aferir as

demandas da advocacia, mas, sucumbiu ante aos próprios preconceitos ou ignorâncias já

observadas na sociedade civil brasileira e deixou passar a chance de inovar e identificar

a nova realidade em seus quadros. Uma atitude absolutamente incompatível com a casa

da democracia, da valorização e reconhecimento dos Direitos Humanos.

O Censo da advocacia paulista perdeu uma oportunidade preciosa de respeitar,

incluir e acolher a diversidade. Um Censo não pode ser heteronormativizado, uma

forma opressora e em total dissonância com os preceitos sociais presentes nos dias

correntes. Da forma como foi elaborado a existência e as questões da advocacia

LGBTQIA+ foram suplantadas como se não fossem relevantes, outro erro.

A casa da advocacia, o berço da garantia do alvedrio, não pode se restringir ou

ignorar as próprias demandas de sua classe e permitir que seu dirigente maior

permaneça afônico e acuado quando as necessidades se avolumam ante ao cotidiano e

as dificuldades profissionais. A OAB/SP precisa voltar a ocupar o protagonismo na

sociedade civil e garantir a assunção das liberdades que é a marca maior de sua atuação.


Antonio Baptista Gonçalves é Advogado, Pós-Doutor em Desafios en la

postmodernidad para los Derechos Humanos y los Derechos Fundamentales pela

Universidade de Santiago de Compostela, Pós-Doutor em Ciência da Religião pela

PUC/SP, Pós-Doutor em Ciências Jurídicas pela Universidade de La Matanza. Doutor e

Mestre em Filosofia do Direito pela PUC/SP, MBA em Relações Internacionais da

Fundação Getúlio Vargas; Especialista em Direitos Fundamentais pela Universidade de

Coimbra, Especialista em Direito Penal Econômico Europeu pela Universidade de


Coimbra, Pós Graduado em Teoria dos Delitos – Universidade de Salamanca, Pós-

Graduado em Direito Penal Econômico e em Direito Tributário pela Fundação Getúlio

Vargas – FGV, Bacharel em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e em

Filosofia pela PUC/SP.

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