No dia 28 de junho se comemora o dia internacional do orgulho LGBTQIA+ e,
neste período de pandemia decorrente do COVID-19, algumas considerações são
pertinentes. É inegável que a realidade, em termos de preconceito e aceitação, para os
gays, lésbicas, bissexuais, transgêneros, queers, intersexy e outros afins teve alterações
positivas nos últimos anos.
A nomenclatura se modificou, pois, até o começo dos anos 2000, era comum a
denominação GLS em referência aos gays, lésbicas e simpatizantes. Hoje, no mínimo, é
preconceituosa tal classificação. E, apesar de alguns direitos terem sido conquistados,
ainda há muito trabalho e espaço para melhoria e reconhecimentos.
A sociedade mudou e se modernizou, todavia, o machismo ainda está presente e
as mulheres cis (heterossexuais), por exemplo, padecem e enfrentam preconceitos e
resistências para sua valorização pessoal e profissional em pleno século XXI. Já para as
LGBTQIA+ a batalha ainda é pelo reconhecimento, acesso e ocupação de espaço em
ambientes onde outrora não havia. Há não muito tempo se declarar gay em determinado
cargo havia o enfrentamento de tabus, discriminação que, não raro, representariam uma
demissão.
Hoje a aceitação é maior, ainda que o machismo persista. Algumas profissões
mais tradicionais como a advocacia e a medicina, por exemplo, já convivem
cotidianamente com a liberdade de identidade de gênero, apresentação, vestuário e
comunicação da população LGBTQIA+. No entanto problemas cercam os advogados,
advogadas, estagiários e estagiárias, como o acesso ao uso do nome social na carteira da
ordem dos advogados, as dificuldades em unificar a documentação quando se conquista
na justiça o direito ao nome social, preconceito em relação ao vestuário, ao uso de
alguns adornos e acessórios, comportamento, jeitos e trejeitos, inclusive de fala etc.
Nessa caminhada em direção ao maior reconhecimento de direitos temos
algumas questões a serem enfrentadas, como por exemplo, saber quantos inscritos nos
quadros da advocacia são LGBTQIA+, hoje o número é absolutamente desconhecido.
Pensando nisso, a OAB secional de São Paulo lançou o primeiro Censo em 14 de
dezembro de 2020, a fim de identificar quais as carências da advocacia bandeirante e
como melhorar a prestação de serviços.
No entanto, quando se tratou da advocacia LGBTQIA+ houve uma única e
singela pergunta dentre as dez formuladas no questionário, na qual sete são obrigatórias
e três de resposta facultativa. A pergunta 8 é: qual a sua orientação sexual? Sendo que a
resposta não é obrigatória.
Ora, será que a demanda da advocacia, em especial, para a LGBTQIA+ é
unicamente saber se uma pessoa é homossexual, heterossexual ou outro como menciona
o Censo? A advocacia ainda tem resíduos machistas presentes no cotidiano profissional.
Não há uma estatística sobre quantos escritórios tem advogados LGBTQIA+,
departamentos com demandas específicas ou coligadas. Ademais, a OAB/SP sabe quais
as necessidades e reivindicações para a advocacia LGBTQIA+? Como pode interceder
para minorar o preconceito e a discriminação? Silêncio.
Quais as consequências da pandemia para a advocacia? Se há algum reflexo
específico para a advocacia LGBTQIA+? É sabido que a violência contra a mulher cis
aumentou neste período de isolamento social, mas e para a LGBTQIA+? Qual o
aumento da violência? Houve incremento do assédio moral ou sexual? E para a
advocacia LGBTQIA+ invisível que é sistematicamente negligenciada no Judiciário?
Os machismos em ambientes como a delegacia que ainda discriminam os causídicos
LGBTQIA+, seja por descaso, ignorância ou falta de respeito mesmo, como a OAB/SP
atua para defender seus membros? Silêncio.
Mesmo mediante a presença do Decreto Municipal n°. 58.228/18 para o respeito
a identidade de gênero pelos agentes públicos que devem colocar o nome social nas
fichas de cadastro, formulários, prontuários, petições, documentos de tramitação e
requerimentos de qualquer natureza, independente de alteração do nome, o que vale é a
sua identificação, porém, é sabido e conhecido que muitos ignoram o Decreto e como a
OAB/SP atua? Da mesma feita, por conta de decisão do TJ de São Paulo, em março de
2021, a polícia foi obrigada a incluir a identidade de gênero e o nome social nos
Boletins de Ocorrência, no mês seguinte o Presidente da OAB/SP foi nomeado como
novo membro do Conselho Consultivo da Ouvidoria da Polícia do Estado de São Paulo.
Houve alguma manifestação sobre eventual descumprimento da regra? Para todas essas
indagações somente o silêncio.
O presidente da maior secional da advocacia do país parece ter perdido a voz
ante a necessidade das demandas cotidianas dos causídicos LGBTQIA+ que se
encontram cada dia mais carentes de representatividade e de uma voz para auxiliar na
constante luta para a paridade de armas ante ao Judiciário e aos ambientes públicos.
Quais os meios que a OAB/SP tem empregado para garantir e efetivar a paridade
de condições de trabalho para uma advogada trans, por exemplo, para que ela não sofra
preconceito, nas suas atividades laborais, deboches e olhares jocosos das autoridades,
apenas e tão somente por não ter a orientação sexual da maioria machista? Será que o
estereótipo é mais importante ou relevante do que a qualificação e a capacitação do
profissional do direito?
A luta por igualdade de oportunidades e condições laborais perpassa pela
necessária voz do presidente da instituição em garantir que todos os seus membros
tenham o acolhimento, a isonomia de tratamento, os mesmos mecanismos e acessos à
justiça independentemente da cor, sexo ou identidade de gênero, porém o que se vê é
um líder que não lidera e se mostra cada vez mais afônico.
A OAB/SP, através do Censo, criou um mecanismo precioso para aferir as
demandas da advocacia, mas, sucumbiu ante aos próprios preconceitos ou ignorâncias já
observadas na sociedade civil brasileira e deixou passar a chance de inovar e identificar
a nova realidade em seus quadros. Uma atitude absolutamente incompatível com a casa
da democracia, da valorização e reconhecimento dos Direitos Humanos.
O Censo da advocacia paulista perdeu uma oportunidade preciosa de respeitar,
incluir e acolher a diversidade. Um Censo não pode ser heteronormativizado, uma
forma opressora e em total dissonância com os preceitos sociais presentes nos dias
correntes. Da forma como foi elaborado a existência e as questões da advocacia
LGBTQIA+ foram suplantadas como se não fossem relevantes, outro erro.
A casa da advocacia, o berço da garantia do alvedrio, não pode se restringir ou
ignorar as próprias demandas de sua classe e permitir que seu dirigente maior
permaneça afônico e acuado quando as necessidades se avolumam ante ao cotidiano e
as dificuldades profissionais. A OAB/SP precisa voltar a ocupar o protagonismo na
sociedade civil e garantir a assunção das liberdades que é a marca maior de sua atuação.
Antonio Baptista Gonçalves é Advogado, Pós-Doutor em Desafios en la
postmodernidad para los Derechos Humanos y los Derechos Fundamentales pela
Universidade de Santiago de Compostela, Pós-Doutor em Ciência da Religião pela
PUC/SP, Pós-Doutor em Ciências Jurídicas pela Universidade de La Matanza. Doutor e
Mestre em Filosofia do Direito pela PUC/SP, MBA em Relações Internacionais da
Fundação Getúlio Vargas; Especialista em Direitos Fundamentais pela Universidade de
Coimbra, Especialista em Direito Penal Econômico Europeu pela Universidade de
Coimbra, Pós Graduado em Teoria dos Delitos – Universidade de Salamanca, Pós-
Graduado em Direito Penal Econômico e em Direito Tributário pela Fundação Getúlio
Vargas – FGV, Bacharel em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e em
Filosofia pela PUC/SP.
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